Senhoras e senhores. Se vocês alguma vez já tiveram a experiência de subir alguma montanha, ou especificamente, o Monte Fuji, então vão entender o que vou dizer. Mas se nunca, não se preocupem, também vão entender muito bem.
Breve perfil do Fuji-san
É uma montanha de 3.776 metros de altitude. No alto, sua temperatura média varia entre -20 e 10 graus Celsius, ou seja, é frio mesmo no verão.
Há quatro rotas principais de subida: Trilha Yoshida, Trilha Subashiri, Trilha Gotenba e Trilha Fujinomiya. Cada uma dessas trilhas tem uma característica para subir e descer. Particularmente, como fui em grupo, não pesquisei nada e só fui atrás. Subimos, então, pela Trilha Yoshida, que tem por característica muitas rochas e ziguezague. Apenas para descer que é somente ziguezague.
Início do percurso
Placa indicativa logo à entrada do nível 5, a Subaru Line (Foto: Márcio Ikuno)Fui com um grupo de amigos, doze pessoas. 10 adultos e duas crianças. Saímos de Kanagawa às 14h para chegarmos às 16h e subir respectivamente às 18h. A estimativa de subida era de 8 horas para subir e 4 para descer. Subindo às 18h, em tese, chegaríamos no topo às 2h da manhã. Mas isso aconteceu somente em partes, na prática, a brincadeira foi outra.
Esse horário aparentemente estranho é para chegar no topo e desfrutar do nascer do sol, que, segundo todas as pessoas que viram, disseram:
“é espetacular!”
Chegamos em dois carros e depois pegamos um ônibus, que sobe até a Subaru Line, a 5ª Estação, já na altitude de 2,305 metros. Estava com muita névoa e fazendo 13ºC.
Ônibus para a Subaru Line (Foto: Márcio Ikuno) Quinta Estação – Subaru Line (Foto: Márcio Ikuno)Alguns amigos compraram um “bo” (um bastão souvenir para trilha) e depois fomos comer algo. Para “alegria” de todos, apesar de sabermos sobre a previsão do tempo, começou a chover. Mas não foi uma garoinha, foi um chuvão mesmo. Então, eu e minha esposa, como estávamos “muito bem preparados”, tivemos que comprar capa. Foi uma nota. Por isso, compramos somente uma, a outra, uma de nossas amigas nos presenteou.
Bo souvenir que também serve de apoioCom toda minha “experiência” (ignorância) de subir montanhas, eu vestia somente uma camiseta, um manguito e uma bermuda por baixo de uma calça de taquitel, além de uma bota à prova d’água.
Recebemos instrução de um funcionário dali e partimos morro acima às 19h. Tudo escuro, vento e muita chuva. Mas esse início foi moleza.
Recebendo instruções para subirFicamos com tanto calor, que quem estava de capa, acabou tirando, porque o calor interno fazia cansar mais. Eu também tirei e prossegui por muito tempo apenas de camiseta (já toda molhada, assim como toda a roupa e mochila, menos os pés).
Paradas de descanso no Monte
Pequenas paradas entre os níveisO monte é dividido por níveis, mas cada trilha tem um formato de divisão. Pela trilha Yoshida são 9 níveis, mas a partir do sétimo nível, há subníveis, como: nível 7, nível 7.5 e depois 8. Em seguida, nível 8.25, 8.50, 8.75 e, finalmente, 9. Em cada um desses níveis, há pequenas paradas para os aventureiros descansarem. São pequenas plataformas com banheiros, dormitórios e cantinas.
Parada de descanso do nível 8Claro que nada é de graça. Portanto, como o comércio lá no topo é monopolizado e a mão de obra é realmente trabalhosa e perigosa, o preço praticado para qualquer coisa é bem alto. Usar o banheiro custa 200 ienes, aproximadamente 6,33 reais (com a conversão de hoje).
Alguns banheiros são misturados e sem divisórias nos mictórios (foto: Márcio Ikuno)Prosseguindo viagem
Subir do nível 5 para o 6 é muito tranquilo. Quando chegamos, quem tinha subido pela primeira vez se assustou: “ué, já chegou?”. Eu pensei a mesma coisa. Mas a brincadeira começou de fato a partir do 6.
A trilha se afunilou, a chuva continuou e a subida, além cada vez mais íngreme, passou a ter grandes pedras, que nos faziam quase escalar a montanha. E não só isso, devido à altitude, o oxigênio foi ficando cada vez menor, resultando em cansaços mais rápidos e as paradas de descanso mais frequentes e prolongadas.
Do 7 para o 7.5 e 8, as subidas variavam entre ziguezagues, escadas de terra (barro) com degraus altos, pedras para “escalar” e transpor e muitos outros pequenos e grandes obstáculos.
Quando chegamos no 7.5, três de nossos amigos já estavam bem exaustos e passando mal. Então, resolveram ficar nesses dormitórios. Não é de se espantar, chuva forte, roupas molhadas, frio e vento gelado a todo momento, não são coisas simples de suportar.
Dormitórios típicos desses pontos de descanso (Imagem: divulgação)A partir do nível 8, os ziguezagues foram sumindo e as pedras passaram a ser constantes e mais difíceis. Mas o que mais “desanimava” é que quando chegava no nível 8.25, por exemplo, estava escrito em japonês somente “8”. Ou seja, parecia que a gente subia, subia e subia, mas sempre estava no 8, e não especificamente no 8.75.
Desistência forçada
Minha gente. Até esse nível (8.75), já aos 3,400 metros de altitude, comecei a passar muito mal. O dilema era: se parar, o corpo esfria e ficamos com muito frio e duros, por outro lado, continuar é quase impossível, porque o cansaço é muito.
A fim de esperar alguns amigos que ainda não tinham chegado nesse ponto de descanso, ficamos por um bom tempo parados. São muitas pessoas subindo ao mesmo tempo numa trilha que passa somente uma pessoa por vez, então demorava. Por conta disso, eu, estando somente de camiseta e todo molhado, a temperatura do meu corpo caiu tanto que senti que ia desmaiar. Era o início de hipotermia.
Achei que iria voltar ao normal se continuasse, porque o corpo voltaria a esquentar. Até resolvemos continuar. Mas depois de um ou dois minutos, definitivamente, alertei minha esposa:
“Não posso mais. Vou desmaiar.”
Ela saiu correndo atrás do pessoal que já estava na frente e, avisando, alugaram um dormitório ali, chamado Fuji-san Hotel (não consegui tirar foto porque estava mais pra lá do que pra cá).
Para minha alegria, minha esposa resolveu ficar comigo. Além dela, uma amiga, seu filho e um outro amiguinho (as crianças) também ficaram.
Um dos responsáveis pelo estabelecimento viu que eu tremia muito e que estava tão mal, que logo me encaminhou para o dormitório.
Os quatro amigos restantes, dois homens e duas mulheres, cumpriram a agenda, prosseguiram a aventura e foram até o pico.
Portanto, o meu conselho para qualquer um: jamais suba com chuva e somente de camiseta! Não importa o quão preparado você possa estar.
Acima das nuvens
Era 8 horas da manhã, acordei bem, como se nada tivesse acontecido na noite anterior. Todos os amigos ficaram preocupados, não somente comigo, mas também com os outros que também não estavam bem e ficaram.
(Toda nossa comunicação era feita via Line, um aplicativo de smartphone muito usado no Japão. Do sopé ao topo da montanha, a telecomunicação funciona muito bem)
Mas o céu abriu e, saindo do estabelecimento, fora, a imagem era magnífica. As nuvens estavam completamente abaixo de nós e acima era um azul gritante.
Paisagem fora do hotel, 8 horas da manhã (Foto: Márcio Ikuno)Como quatro de nossos amigos continuaram a jornada, o horário que acordamos, eles já estavam descendo. Um de nossos amigos que se hospedou na parada anterior subiu para onde estávamos, mas não nos encontramos porque o nível 8 são vários níveis e, pela falta de conhecimento, não sabíamos exatamente em qual dos níveis 8 estávamos. Agora sei que era o 8.75, o último nível para chegar no 9!
Descendo das nuvens
Para descer por essa rota, a trilha era em ziguezague, sem muitos obstáculos e geralmente constante (Foto: Márcio Ikuno)Pela Trilha Yoshida, a descida é diferente da subida. É mais “tranquila”. São inúmeros ziguezagues de chão pedregoso e arenoso e sem obstáculos. O problema era a dor nas pernas. Por ser descida, descer de frente força muito as coxas, as batatas e os joelhos. Por conta disso, muita gente descia de costas. Para amenizar a dor, eu variava de frente, de costas e de lado. A minha esposa ficou com muita dor no joelho, então foi de costas até embaixo.
A paisagem de cima das nuvens é tão espetacular como no meio e quanto abaixo delas. Ficar acima é mais gelado, mas mais propenso a se queimar no sol (como estou agora, todo ardendo). Entre as nuvens, parece que tem mais vento, é mais gelado e só há neblina ao redor, não possibilitando ver muita coisa. Abaixo, via-se todo horizonte, as montanhas, as cidades, os lagos, as florestas… Espetacular.
Acima e abaixo das nuvens (Foto: Márcio Ikuno)Considerações finais e agradecimentos
Já sei agora que jamais deve-se subir com chuva e só de camiseta. Sim, eu tinha uma blusa na mochila, mas subir dava calor e frio ao mesmo tempo, então preferi me manter de camiseta, o que foi erro grotesco de minha parte.
Para não levar o título completo de “estúpido”, vi e me contaram que algumas pessoas estavam de longe ainda mais despreparadas. Estes tinham somente uma garrafa de água e uma capa de chuva, mais nada.
Enfim. Com muito sacrifício de todos os lados, além de particularmente não ter conseguido subir ao topo do Fuji-san mas ter chegado bem perto, fico satisfeito com a experiência. Além disso, pude compartilhar essa aventura com um grupo de ótimos amigos, que fez a experiência ser infinitamente agradável. Muito obrigado!
O meu grupo de amigos dessa grande aventura, faltando duas amigas que desceram antes (Eu sou o que está com o braço levantado, do lado direito da foto)E para finalizar. Todo esforço de subir às 19h para ver o sol nascer valeu a pena:
O início da manhã no Monte Fuji. (Foto: Tabata Hidemi) Ainda tímido, somente a luz do Sol aparece no horizonte, registrdo a partir do nível 8. (Foto: Kazuo Chiba) Finalmente, o Sol aparece, resplandecendo no horizonte do Fuji-san. (Foto: Katia Tamamoto)