“Como ela lembrou nossa última conversa?!”, perguntei espantado a mim mesmo, para minha esposa e amigos. Fiquei com uma grande interrogação na cabeça por muito tempo.
O contexto
A primeira vez que fui cortar o cabelo em um salão de bairro, assim como todos já podem imaginar, fui muito bem atendido (que, aliás, você pode ler mais sobre bom atendimento e cultura neste artigo: Aprendendo sobre cultura).
Ela pegou um caderninho, me levou até um hall de espera e perguntou se tinha algum corte em mente. Como eu disse que não tinha, ela sacou uma das revistas, entregou pra mim e pediu para que eu olhasse com calma e ver se alguns daqueles estilos me interessava. Ela saiu cordialmente e foi preparar o ambiente.
Percebi que a moça andava com uma bolsa pendurada na cintura, tipo uma pochete aberta, com todos os seus aparatos de trabalho: pentes, tesouras, grampos, navalhas, entre outras coisas.
Quando começamos a cortar, percebendo meu pobre vocabulário em japonês, ela perguntou de onde eu era. “Brasil”, respondi. Passamos então a conversar sobre a imigração dos japoneses ao Brasil. Imaginem eu, pouco vocabulário e falando sobre história.
Contei sobre a ida dos meus avós, sobre os navios, por que eles foram e entre outros detalhes. Depois, mudamos de assunto. Passamos a falar sobre minha profissão no Brasil e muitos outros detalhes.
Cortado, fomos ao lavatório, um “setor” dentro do salão, no qual ela passou a lavar meus cabelos. Shampoo diferente, refrescante, toalha no rosto – com um buraco para saída do nariz, massagem no couro cabeludo, e a conversa não parava.
Finalizado tudo (sei que foi mais de uma hora e meia nesse processo de cortar o cabelo), paguei, ela me acompanhou até a porta e me despediu.
Uns quatro meses depois (nesse ínterim, fui em outros cabeleireiros), voltei nesse salão para cortar novamente. A mesma moça me atendeu.
Quando começamos a cortar, ela retomou todos, absolutamente todos os assuntos que conversamos, mas fazendo, então, novos questionamentos e puxando outros vieses sobre os mesmos temas!
Fiquei super impressionado em como ela se lembrou de tudo! Nem eu me lembrava que tínhamos tido tantos assuntos assim.
Desvendando o mistério
Depois de um ano, conversando com um amigo, que já mora há muitos anos no Japão, disse-me que em muitos estabelecimentos comerciais (claro que também depende do tipo de comércio), os atendentes carregam um caderninho consigo ou algo para anotação.
Todos os clientes dessas lojas, mesmo os mais novos, estão religiosamente com os seus perfis registrados, consistindo não somente de dados cadastrais, mas também dos assuntos das conversas realizadas.
A ideia dessa tática é o lojista mostrar que o cliente é muito importante, e todo tempo que ele gasta na loja é de tão grande importância e interesse, que os assuntos conversados serão levados em consideração até um próximo momento. Além disso, é uma tática de fidelização muito eficaz para mantê-lo fiel aos serviços e produtos.
Essa situação já aconteceu comigo outras vezes em outras situações, mas sendo essa a primeira vez, jamais vou esquecer.
Por Marcio Ikuno