Muitas pessoas conhecem duas das tradições artísticas mais refinadas do Japão: a cerimônia do chá (chadō ou sadō 茶道) e o arranjo de flores (kadō 花道). Mas existe uma terceira tradição, pouco conhecida até entre os japoneses: o caminho do incenso (kōdō 香道).
Como a cerimônia do chá, a arte de apreciar o incenso envolve seguir maneiras estabelecidas de preparar e desfrutar o incenso. Existem ferramentas especiais para todo o processo, cujos melhores exemplos são avaliados como alta arte. Também existem jogos de comparação de incenso como kumikō 組香 and genjikō 源氏香.
As origens semi-lendárias
De acordo com “As crônicas do Japão” (Nihon Shoki), o segundo livro mais antigo da história clássica japonesa, o incenso chegou ao Japão quando um tronco de madeira de ágar flutuou até Awaji, uma ilha entre Osaka e Shikoku, no século VI.
O tronco foi apresentado ao príncipe Shōtoku, o primeiro grande legislador semi-lendário do Japão. O príncipe conhecia a madeira de agar do budismo, que havia sido introduzido apenas recentemente no Japão. Ele teve um pouco de incenso preparado a partir do tronco resinoso e foi cativado por sua maravilhosa fragrância.
O costume de queimar incenso floresceu entre a nobreza da corte durante o período Heian (794-1185). Os nobres produziam e misturavam seu próprio incenso e o queimavam para infundir o cheiro em suas roupas. As fragrâncias tornaram-se parte de sua auto-expressão.
O incenso na literatura
Em Genji Monogatari, escrito no século XI por Murasaki Shikibu, o incenso é um elemento indispensável para retratar cada personagem e cena. O nome de um personagem, Kaoru 薫, significa ‘aroma’ e o nome de outro, Niō-no-miya 匂宮, significa ‘príncipe da fragrância’.
Os nobres da era Heian perfumavam suas vestes, leques e cartas e escreviam poemas sobre os arrebatadores vôos de imaginação induzidos pela preciosa madeira perfumada. Os melhores troncos de madeira de agar eram tão apreciados que seriam transmitidos de uma geração para a outra.
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O nascimento do Kōdō
No final do período Muromachi (século XVI), foram elaborados princípios orientadores para o desfrute do incenso, juntamente com os do arranjo de flores e da cerimônia do chá. O Imperador chegou a empregar um mestre artesão dedicado a fazer e ensinar às pessoas como apreciar o fino incenso.
O incenso só começou a ser feito em escala industrial – o que permitiu que pessoas de todas as esferas sociais o desfrutassem – no período Edo. O incenso diário ( mainichi-kō 毎日香), o tipo mais usado hoje, foi desenvolvido no início do século XX.
Uma grande variedade de aromas é usada no incenso japonês, como casca de canela, cravo, lavanda, patchouli, ruibarbo e anis estrelado. Mas os dois componentes mais comuns são a madeira de ágar, importado do Vietnã, e o sândalo, originário da Índia.
A classificação segundo a preciosidade
Assim como o vinho de mesa e o vinho fino são mundos separados, o incenso comum não se compara com o melhor incenso. O componente mais cobiçado é a madeira ágar (também conhecida como aloeswood, eaglewood ou gharuwood). A resina aromática da árvore ágar é dividida em seis categorias. A nota mais alta é chamada kyara 伽羅 e é tão rara que vale várias vezes seu peso em ouro.
Além disso, até o kyara é classificado e, se uma peça vem com uma história, é ainda mais valiosa. O kyara mais premiado é chamado ranjyatai 蘭奢待, e remonta a pelo menos o século 10. Ranjyatai é tão precioso que é efetivamente sem preço, mantido selado na grande casa do tesouro Shōsō-in de artefatos imperiais, em Nara.
A queima de incenso continua sendo uma parte importante do ritual budista até hoje, e é provável que você sinta o cheiro do incenso sempre que passar por um templo. As três maiores empresas de fabricação de incenso do Japão – Nippon Kōdō, Shoyeido e Baiendō – estão no mercado há mais de 300 anos e 70% do incenso do Japão ainda é produzido na ilha de Awaji. O alto custo e a incrível escassez de kyara praticamente mataram os escalões mais refinados do “caminho do incenso”. No entanto, a valorização do incenso ainda está viva e bem no Japão de hoje.
Fonte: Grape