Gordofobia e os transtornos alimentares no Japão

As taxas de transtornos alimentares no Japão, como anorexia e bulimia, são menores em comparação com os países ocidentais. No entanto, tal como acontece com a saúde mental num geral no Japão, os dados clínicos certamente não mostram o quadro completo. Em uma revisão de 2010 de estudos acadêmicos sobre imagem corporal no Japão, os pesquisadores encontraram algumas estatísticas preocupantes, mas não surpreendentes. O comportamento alimentar desordenado – como tomar pílulas dietéticas, pular refeições e ocasionalmente comer compulsivamente e depois vomitar – é comum no Japão, especialmente entre adolescentes e mulheres jovens.

Apesar das preocupações do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar com a obesidade entre os homens, as taxas de obesidade das mulheres têm caído consistentemente. Em vez disso, a porcentagem de mulheres que estão abaixo do peso tem aumentado nos últimos 25 anos. Entre as adolescentes, a grande maioria das meninas normais e abaixo do peso também relata tentar perder peso de forma consistente. E, como qualquer pessoa que já passou um tempo no Japão sabe bem, comentários públicos sobre ganho e perda de peso são extremamente comuns, com perda de peso sempre considerada positiva.

Então, como isto se manifesta na prática? Uma área de luta é, certamente, a compra de roupas. As infames roupas de “tamanho único” do Japão deixam pouco espaço para tipos de corpos que divergem do ideal de magreza deles. No entanto, caber no “tamanho único” para qualquer pessoa com um histórico problemático com alimentos, também pode ser uma faca de dois gumes: uma validação de tamanho, independentemente dos recursos mentais ou físicos usados ​​para chegar lá.


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As interações com outras mulheres também – seja em situações de serviço, como vendedoras, mães no parque ou colegas de trabalho – são repletas de gatilhos, dadas todas as conversas sobre pular refeições, fazer dieta e “auxiliares” para digestão. Brincadeiras amigáveis ​​e bem-intencionadas também, como um simples 偉いね (erai ne, “que admirável!”) recebido ao pular a sobremesa no almoço, também podem desencadear padrões prejudiciais de restrição ou compulsão alimentar. Estes são apenas alguns exemplos, mas, infelizmente, eles são inúmeros.

Por mais que se diga que a alimentação no Japão é uma das mais saudáveis do mundo, como qualquer país moderno, a oferta de comida industrializada, rica em carboidratos refinados e potencialmente prejudicial à saúde, é imensa. Para qualquer pessoa mais vulnerável, especialmente as mulheres, controlar a ansiedade e não desenvolver algum tipo de distúrbio alimentar frente a esta contradição de variedade de produtos alimentares versus pressão social é particularmente difícil.

“Rebound”: Visando os 45 kg

“Rebound” é um drama romântico japonês de 2011, estrelado por Aibu Saki como Nobuko, uma mulher lutando com seu peso; e Hayami Mokomichi como Taiichi, um chef pâtisserie e seu quinhão de guloseimas. No entanto, as sobremesas acabam ficando em segundo plano em relação ao foco obsessivo do show em relação à flutuação de peso de Nobuko.

Aos 23 anos, ela atingiu 78 kg, graças ao delicioso tonkatsu que seus pais preparavam para ela enquanto ela crescia. Visando o emprego dos sonhos, que vem com restrição de peso, Nobuko luta para chegar ao tamanho dos seus sonhos – meros 45 kg. O drama gira em torno de se a heroína pode ficar no mínimo ou sucumbir às criações e encantos do chef confeiteiro.

O drama glorifica a magreza como um ideal e simultaneamente apresenta ser magro como resultado direto da personalidade e perseverança. Esta certamente é uma abordagem perigosa e muito, muito problemática.

Embora em muitos aspectos “Rebound” não seja um drama particularmente notável, infelizmente é um reflexo preciso e perturbador das normas sociais japonesas sobre o peso corporal. No universo da série, ser gordo é ser indisciplinado, desleixado e pouco feminino, enquanto ser magro, e especialmente muito magro, traz feminilidade e poder. Embora “Rebound” tenha sido veiculado há quase dez anos, o clima da mídia atual continua altamente crítico, e abundam os estereótipos nocivos sobre o tamanho do corpo que reforçam comportamentos que levam a transtornos alimentares.

Um chamado para reflexão

Certamente que a discussão em torno dos transtornos alimentares não é fácil ou mesmo exclusiva da sociedade japonesa. Mas diante de tantos recortes, trazer à tona este assunto, mesmo que de forma insipiente é ainda assim um chamado para a reflexão. Reflexão sobre como vivemos e somos vistos em sociedade, e também sobre como vemos os outros e como muitas vezes somos nós a fazer o papel nocivo daquele que diz 偉いね, mesmo sem qualquer má-intenção por trás.

Fonte: Savvy Tokyo