Um dia na vida de uma família de agricultores no subúrbio de Tóquio

Este artigo é uma tradução da matéria de Nupur Singh para o site Tokyo Weekender e fala sobre a vida de uma família de agricultores de Hachioji, Tóquio, sua relação com a terra e como eles acham que os jovens poderiam se atrair para a agricultura para pelo menos saber como o alimento chega até a mesa.

Em um cemitério, um trem próximo quebra o silêncio, enquanto Masahiko-san acende dois cigarros, colocando um na lápide de seu pai e outro no de seu avô. “Os dois gostavam de fumar”, diz ele. “Isso é em homenagem a eles.”

Ele lava os túmulos, acende incensos e oferece uma breve oração, após a qual caminhamos com Masahiko-san até a casa de seu tio e tia.

Enquanto a chuva cai, cobrindo os tons de verde, caminhamos por entre as copas das árvores podadas e um lago de carpas escondido sob as exuberantes samambaias e arbustos. A densa folhagem, o encanto robusto de uma casa com painéis de madeira e a zínia cintilante – rosa, laranja, vermelha – tudo emoldurando as bordas de um jardim esboçado em torno de uma casa de campo em Hachioji, no subúrbio de Tóquio.


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Andando entre o canto alto das cigarras e as gotas de chuva, está Teiko-san, ligeiramente curvada, mas rápida. Ela gesticula vigorosamente para que entremos, liderando o caminho para dentro de sua casa. Se uma casa pudesse falar, nos contaria a história das inúmeras gerações que nasceram e viveram lá – seu marido, seus dois filhos (que agora têm seus filhos), o pai do marido, o pai do pai dele.

Ando-san (79) e sua esposa Teiko-san (76) riem da pergunta, exclamando: “parece que se passaram cem anos ou mais”. Depois de uma rápida conversa e algumas histórias, Teiko-san diz: “Nós nos casamos em 1965 e desde então estou morando nesta casa. É minha casa.”

Como vocês dois entraram na agricultura?

Ando-san explica que não foi um começo do zero para ele quando assumiu a fazenda de seus sogros há cerca de 20 anos. Ele havia trabalhado anteriormente no mercado da cooperativa de fazendeiros de Hachioji até sua aposentadoria, onde era conhecido por cultivar flores. Teiko-san nasceu em uma família com uma fazenda de tamanho considerável e adquiriu o jeito para o comércio desde o cedo.

Como você vende os vegetais da fazenda, e é um desafio dirigir sua distribuição?

À medida que a chuva fica mais calma, vamos até o galpão onde as safras são embaladas e vendidas. Teiko-san menciona os vegetais que cultivaram ao longo dos anos: pimentão, abóbora, feijão francês, tomate, berinjela, batata, pepino, alho-poró, espinafre, milho e batata doce – todos empacotados em grupos de duas ou três peças cada e vendidos a uma taxa fixa de 100 ienes.

Ando-san relembra que eles começaram vendendo os vegetais na “calçada” de sua fazenda e, finalmente, passaram a conseguir vendê-los nos mercados de produtores locais.

Eles têm um galpão ao lado de sua casa. Lá, em consequência à pandemia de Covid-19, eles colocaram pacotes de vegetais e uma caixa de lata de alumínio com um buraco. Assim, os clientes podem entrar e pegar pacotes de produtos frescos por 100 ienes e colocar moedas, um modelo descomplicado e sem contato.

Os grandes mercados de distribuição têm sido um enigma difícil de decifrar. Ando-san relembra tempos difíceis em que tiveram que viver de batata-doce por dias porque não conseguiram vender o produto.

Uma vez que comer alimentos frescos é considerado o patamar mais elevado da alimentação no Japão, quais práticas sustentáveis ​​estão sendo observadas para garantir o mesmo na fazenda?

Com lama até os joelhos, um distintamente barbeado Ando-san explica que “a fazenda da família Harashima faz parte de nossa herança por sete gerações, e a agricultura sustentável é a única chave para garantir que a fazenda estará lá amanhã em boas condições para produzir qualidade.” Ele acrescenta que a agricultura em terraço, rotação de culturas, cursos de água com grama e agricultura em curva são alguns métodos que eles adotaram para garantir a saúde da terra.

Como você sugere envolver os jovens na agricultura?

Ando-san sente que a ciência da agricultura e o treinamento de campo devem estar presentes nos currículos escolares. Isto porque é preciso estar ciente de como obtemos os alimentos que comemos. Caminhando pela fazenda, Teiko-san nos narra uma história sobre uma época em que eles convidavam alunos de uma escola secundária próxima para aprender os fundamentos do cultivo de arroz. O sobrinho deles, Masahiko-san, também fazia parte da mesma escola.

Em várias ocasiões durante as aulas, quando começava a chover, as crianças sem guarda-chuva arrancavam folhas de satoimo (ou inhame, cujas folhas maciças possuem textura cerosa) da fazenda e voltavam para casa, segurando-as sobre seus cabeças.

Por que vocês continuam cultivando mesmo nesta idade? Vocês estão planejando uma aposentadoria em breve?

Eles acreditam que a agricultura familiar é o núcleo da comunidade agrícola, já que é assim que as práticas tradicionais e o conhecimento do cultivo podem ser transmitidos aos jovens agricultores – esperando que seu filho se junte a eles em breve, mas sem planos de se aposentar.

Acenando uns para os outros, eles respondem: “Planejamos trabalhar tanto quanto pudermos”. Ser mais visível para compartilhar sua paixão pela agricultura e compreender a promessa que ela representa em igual medida, mas provavelmente valorizá-la ainda mais.

“Sempre haverá quem tem e quem não tem”, diz Ando-san. “ Mas para nós é um privilégio e uma honra cuidar de nossa fazenda ancestral e uma responsabilidade para com todos que comem.”

Fonte: TokyoWeekender